terça-feira, 3 de outubro de 2017

3.1

3.1

Entram Espoleta Júnior e um Pastor.
ESPOLETA JÚNIOR 
Oh, meu senhor, se já sentiu a força do amor,
Tem dó de mim.
PASTOR 
Sim, mesmo não tendo me casado, senhor,
Senti a força do amor de moças de família,
E algumas seguirão donzelas mais três anos.
O senhor tem a licença?
ESPOLETA JÚNIOR 
Cá está à mão, senhor.
PASTOR 
Isso é bom.
ESPOLETA JÚNIOR 
Anel e tudo pronto. Ela já foge p'ra cá.
PASTOR 
E será bem-vinda, senhor; eu não tardarei
A engatar1 aos dois.
Entram Maria e Espoleta Sênior.
ESPOLETA JÚNIOR 
Oh, ela vem chegando, senhor.
PASTOR 
Ele, quem é?


ESPOLETA JÚNIOR 
Meu honesto irmão.
ESPOLETA SÊNIOR 
Rápido, senhores!
MARIA 
O senhor deve proceder com celeridade,
Pois darão por minha falta logo; foi difícil
Escapar mesmo um instante.
PASTOR 
Então, sem tardar,
Põe este anel neste dedo anular,
Que é ligado, segundo a tradição,
Pela veia-mestra ao coração.
[Espoleta Júnior põe o anel no dedo de Maria.]
Unam as mãos...
Entram Dourado e Sir Walter.
DOURADO 
Que devo separar,2
E nunca, nunca mais vão se encontrar!
MARIA 
Oh, fomos descobertos!
ESPOLETA JÚNIOR 
Que golpe!
SIR WALTER 
Estou estupefacto.


DOURADO 
Era esse seu estratagema, rapariga ocultista,
Sua vadia desobediente!3 [A Sir Walter] O senhor
Inventou de mandar buscá-la para um tal fim?
SIR WALTER 
Pois eu renego o fim; o senhor quer me irritar.
DOURADO [A Espoleta Júnior
E o senhor, quem é?
ESPOLETA JÚNIOR 
Se não consegue enxergar
Com essas duas lentes, coloque um par a mais.
DOURADO 
Eu mal conhecia a cólera! [A Espoleta Júnior] Toma seu anel.
[Remove o anel do dedo de Maria.]
Como, este? Céus, mas é o mesmo! Abominável!
Eu não lhe vendi este anel?
ESPOLETA JÚNIOR 
Imagino que sim, recebeu dinheiro por ele.
DOURADO 
Céus, escuta, fidalgo,
Se não temos aqui uma vilania sórdida:
Me por a trabalhar no anel de casamento,
Tendo vindo com o intento de me roubar a filha.
Algum sedutor já fez algo assim?
SIR WALTER [A Espoleta Sênior]
Este é seu irmão, senhor?


ESPOLETA SÊNIOR 
Ele lhe dirá tanto quanto eu.
DOURADO 
Até mesmo a inscrição goza da minha cara:
Amor, se for sagaz,
Cega os olhos dos pais.”
Grato pela sagacidade, senhor, ao nos cegar;
Temos esperança de recobrar a visão logo;
Enquanto isso, vou trancar esta rapariga
Com o mesmo zelo que ao ouro: verá ela
Igualmente pouco o sol, se um quarto trancado
Puder privá-la de sua luz.
MARIA 
Oh, doce pai,
Em nome do amor, piedade!
DOURADO 
Larga!
MARIA [A Espoleta Júnior]
Senhor,
Adeus; sê feliz, leva isto como conforto:
Embora presa à força, tu não ficarás sem mim.
Serei tua, mesmo apartados até o fim. 
DOURADO 
Sim, vamos apartá-los, bisca.
Saem Dourado e Maria.
SIR WALTER 
Demorou, senhor,
Para conhecê-lo, e que demorasse mais;
Doravante não o reconheço como amigo,
Mas alguém a quem evitar como a pestilência,
Ou a doença da luxúria.4
ESPOLETA JÚNIOR 
É bem provável, senhor; me encontrou na pior hora para palavras que poderia escolher: de boa fé, não me leve a mal, senhor.
Saem Espoleta Júnior e Pastor.
ESPOLETA SÊNIOR 
Protege-te dele e não meças esforços: lá vai
Alguém que nunca vira afronta; as tuas bênçãos
Excedem tudo que conheço.5 Vai repousar.
Sai.
SIR WALTER 
Eu os perdoo, são ambos perdedores.
Sai.
1“A-clapping” (1) unir as mãos, (2) sugestão de coito [LW]. Reaparece em 4.1.124.
2A união das mãos era o que conferia valor legal ao casamento [LW].
3A desobediência filial das mulheres se confundia com a promiscuidade [LW].
4(1) Luxúria como uma doença. (2) Doença venérea [LW].

5Ou seja, é muita sorte sua escapar ileso após ofendê-lo [LW].   

Nenhum comentário:

Postar um comentário